Documentário retrata a violência como educação para garotos
Se buscarmos em nossa memória – e nem precisamos nos esforçar muito para isso – encontraremos pelo menos uma história de alguém, conhecido ou não, que foi vítima de uma agressão cometida pelo homem. São casos de agressões físicas, verbais, psicológicas, violência doméstica, abuso sexual, homofobia, estupro... que dia a dia, enchem os noticiários e nossas redes sociais com atrocidades difíceis de encarar - sem contar outros tantos casos que nem chegam ao nosso conhecimento. Fazendo uma rápida busca sobre índices estatísticos das ocorrências, encontramos o seguinte cenário no país: a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) registrou, no primeiro semestre de 2016, 67.962 denúncias de violência contra a mulher; dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que houve 45.460 casos registrados de estupro; o Mapa da Violência 2015 mostrou que em 2013 foram registrados 4.762 assassinatos de mulheres; o Grupo Gay Bahia (GGB) mostrou que em 2015, 318 assassinatos foram cometidos contra homossexuais, bissexuais e travestis. (Re)acende-se então os debates sobre violência, sobre patriarcado, sobre machismo, sobre a cultura do estupro, realiza-se mobilizações e cobramos do poder público ações mais efetivas. E nos questionamos, a todo momento, qual o cerne destes problemas.
Minha responsabilidade? Qual é o peso da frase “seja homem!”? Que mensagem estamos querendo passar quando dizemos isso? O que é ser homem nesta cultura?
O documentário The Mask You Live In (2015) vem discutir estas questões, retratando a educação dos meninos baseada na violência, no poder, no autoritarismo, na supressão das emoções. Por meio de depoimentos de meninos e homens, de psicólogos, médicos e educadores, somos levados a refletir sobre o tipo de socialização que proporcionamos às nossas crianças, o que esperamos delas e o quanto tudo isso se reflete tragicamente em seu desenvolvimento psíquico e emocional. Ele expõe um lado do patriarcado e da cultura de violência difícil de encararmos: que somos responsáveis pela sua perpetuação. Quando dizemos “seja homem!”, estamos encorajando meninos a mostrarem sua masculinidade sendo agressivos e dominadores, responder com violência em qualquer situação de desagrado, suportar qualquer tipo de pressão social (o tal do “ser forte”), não mostrar suas emoções, ter muitas conquistas sexuais, não aceitar um não. E é a partir desta educação que naturalizamos os estereótipos, o machismo, a cultura da violência e do estupro. Ou seja, permitimos que estas condutas continuem ocorrendo e, pior ainda, as ensinamos. Assim, criamos os caminhos para que continuem se repetindo histórias de violências, assassinatos contra aqueles - e também de suicídios daqueles - que não se encaixam nestes estereótipos estabelecidos. E se nós somos os responsáveis pela perpetuação do machismo, do patriarcado, desta cultura de hipermasculinização, somos também o meio para transformá-la. Como? Falando sobre o tema, conversando com mães e pais, instruindo educadores, não nos silenciando. Os papéis sociais e as condutas consideradas masculinas e femininas são socialmente construídos e vão se modificando de acordo com o contexto histórico e social. Já no final do documentário, temos a oportunidade de conhecer exemplos destas transformações, por meio de trabalhos realizados por organizações não-governamentais, assim como iniciativas individuais daqueles que, percebendo esta realidade e também a tendo vivido, proporcionam às crianças outra possibilidade de reflexão e desenvolvimento. Desnaturalizar normas e valores culturais é o primeiro passo para a desconstrução da educação de meninos baseada na violência. E este documentário pode ser um dos instrumentos na introdução deste debate.
Documentário: The Mask You Live In Direção: Jennifer Siebel Newsom Estados Unidos, 2015.