O Retorno Desejado
Nesta semana vivemos os instantes finais de um longo processo de golpe de estado na forma da lei, tal qual o estado de exceção típico dos regimes democráticos com conotação conservadora e viés autoritário. Seja qual for a decisão, muito embora as cartas já pareçam estar marcadas para o desfecho em favor do impedimento da Presidenta Dilma, queremos refletir sobre o legado da institucionalização do PT no interior da máquina do Estado em suas diferentes esferas de ação.
As ações dos movimentos sociais combativos e propositivos dos anos 1980 contribuíram para a consagração de inúmeros direitos na constituição de 1988. Durante a experiência democrática no decorrer dos anos 1990, observou-se o fenômeno de arrefecimento da ação dos movimentos sociais associado ao fato de que parte das suas lideranças passaram a integrar o quadro burocrático do aparelho do Estado. Em outras palavras houve um processo gradual no decorrer dos anos 1990 e intenso nos anos 2000 de institucionalização de parte da militância e das lideranças dos movimentos sociais.
A atuação destes atores sociais no interior do Estado proporcionou a oportunidade da estruturação de políticas públicas voltadas ao processo de inclusão social e distribuição de renda. Avanços foram notados na redução da pobreza e ampliação do acesso à saúde e educação, principalmente no nível superior com a ampliação das universidades federais, o PROUNE e o FIES. Foi muito comum encontrarmos em sala de aula alunos que representavam a primeira geração da família a ocupar os bancos da universidade.
Com a migração das lideranças dos movimentos sociais para a burocracia do Estado, abriu-se, no entanto, um espaço para iniciativas de cunho conservador junto às bases da população. No decorrer dos anos 1990 parte do espaço deixado pela militância e lideranças dos movimentos sociais foram ocupados por um cem número de Organizações Não Governamentais (Ong’s) e Fundações que passaram a realizar inúmeros projetos sociais com financiamentos nacionais e internacionais oriundos dos mais variados setores da economia. Nos anos 2000 assistimos um grande investimento por parte dos empresários nas iniciativas inerentes à Responsabilidade Social Empresarial (RSP).
No bojo da proliferação de Fundações, Ong’s e RSP, percebemos a incorporação das propostas, projetos e metodologias sociais alinhadas com uma perspectiva emancipadora em relação ao exercício da cidadania e o acesso aos direitos, pelos setores mais conservadores da sociedade. Assim, as metodologias libertadoras foram incorporadas por uma ação conservadora, e transformaram-se em práticas assistencialistas e tuteladas pelos princípios da lógica capitalista no lugar de questioná-la em busca da transformação social. Observamos, assim, uma ação ideológica no sentido de refrear o processo de reflexão crítica em relação às contradições do modo de produção capitalista, cuja síntese pode ser encontrada nos princípios preconizados nos programas de empreendedorismo.
Diante do duro golpe que as forças mais conservadoras estão realizando para assumir a direção do Estado, uma parte expressiva das lideranças incrustadas em sua ordem burocrática será deslocada e possivelmente voltará para sua base social originária. Esperamos que este retorno permita uma reconquista do espaço deixado nos movimentos sociais, principalmente no momento em que se faz necessário organização, mobilização e luta para manter as conquistas dos direitos sociais no campo da saúde, educação, trabalho, previdência social, diversidade sexual e tantos outros. Um possível retorno da militância e das lideranças junto aos movimentos sociais pode implicar uma possibilidade de aglutinação e organização em torno de princípios emancipatórios e de transformação da ordem social, ou seja: o retorno para o lugar de onde não deveriam ter saído.