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A letalidade policial e o desafio da construção de uma polícia cidadã


Foto: Creative Commons

Ao longo do último ano participei de algumas manifestações em São Paulo, em sua maioria na Avenida Paulista. Os movimentos sociais e as pautas reivindicatórias foram diversificados. Estudantes secundaristas que ocuparam as escolas estaduais contra a reestruturação do ensino proposta pelo governo estadual, professores da rede pública pleiteando melhores condições salariais e de trabalho; marcha de mulheres por um Estado laico, pelo fim da cultura do estupro; pelos direitos reprodutivos e pela descriminalização do aborto; movimento pelo direito ao passe livre que luta pela tarifa zero no transporte coletivo; mobilizações pela defesa da democracia, entre outros atos públicos.

Observei que em todas as manifestações que em determinado momento, um grito seguido de um posterior coro de vozes se estabelecia no percurso da caminhada: “Não acabou / tem de acabar / eu quero o fim / da Polícia Militar”.

O presente artigo parte de algumas reflexões que surgiram durante tais manifestações, sobre a rejeição à instituição Polícia. Sem a pretensão de um parecer conclusivo, as linhas a seguir convidam a reflexão sobre as causas do rechaço à ação policial e o desafio de se construir polícias cidadãs, mesmo sabendo que do legado autoritário oriundo da ditadura militar ainda se perpetua e violações sistemáticas dos direitos humanos ocasionam esse clamor pelo fim da Polícia como existe hoje. A letalidade policial e a intersecção raça e classe

A Polícia é uma corporação destinada à segurança pública, com o papel de exercer a ações preventivas ou repressivas garantindo a ordem pública, segundo a Constituição de 1988. Entretanto, verificamos os altos índices de violência policial com consequências letais, o que afasta a corporação de seu papel constitutivo e diminui confiabilidade das pessoas em relação a sua atuação.

O uso da força policial em situações cotidianas, mesmo ocorrendo em circunstâncias de legalidade, deveria obedecer às regras específicas que necessitam ser respeitadas, sobretudo quando se trata do uso de armas de fogo. Ou seja, o uso da força policial não deveria ser um risco de morte e somente em casos extremos a ação policial poderia ter consequências fatais para o cidadão.

De acordo com as informações do 7º Anuário Brasileiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em 2013, em média cinco pessoas morrem todos os dias no país vítimas da ação policial, um cenário que as periferias de todo país vivem cotidianamente.

Através das ocorrências registradas pela Polícia Civil a letalidade policial no estado de São Paulo teve 874 casos registrados em 2014, sendo que o cidadão que vive em determinadas cidades do Estado tem maior chance de sofrer uma ação policial com consequências fatais. As 17 cidades fazem parte dessa concentração estatística são: São Paulo, Campinas, Guarulhos, Santo André, Diadema, São Bernardo do Campo, Osasco, Jundiaí, Sorocaba, Itaquaquecetuba, Carapicuíba, Ribeirão Preto, São José dos Campos, Guarujá, Mauá, Mogi das Cruzes e Praia Grande. Os bairros das ocorrências são de localidade periférica, a população jovem e em grande maioria negra.

Casos como as chacinas ocorridas em Osasco e Barueri em 2015, nas quais as investigações detectaram que PMs e Guardas Municipais se uniram para vingar a morte de outros policiais, evidenciam que a algumas ações policiais excedem o nível de força daquele considerado justificável e legítimo.

O FBSP ainda aponta o declínio da credibilidade das polícias. Em 2012 o levantamento pontuava que 61,5% da população não confiava no trabalho da polícia e já 2013 esse número subiu 70,1%.

Evidentemente, fatalidades como as chacinas, excessos policiais e repressão contra manifestantes de movimentos sociais, que foram amplamente divulgados pelos meios de comunicação, podem engrossar a lista de motivos que resultam em insatisfação e falta de confiança da população em relação a essa instituição policial, seja militar ou civil.

O papel da mídia no cenário da violência

É importante salientar que a mídia exerce papel de relevância no cenário da violência, onde o clima de “guerra urbana” está sempre acentuado; legitimando os dispositivos de exceção, justificando a violência e por vezes amenizando a violação dos direitos humanos. E o estopim que detona a lógica da “guerra” normalmente é o mesmo: “guerra ao trafico de drogas”, “guerra à bandidagem”, “guerra aos vândalos” e porque não “guerra aos terroristas”?. Dentro dessa seara, as forças que garantem a ordem e seu “modus operandi” não são questionados e quando o são aparecem como acidente de percurso.

A violência policial, em todas suas nuances, é um problema que afeta a qualidade de vida de todos os cidadãos, pois gera desconfiança nas corporações civis e militares, responsáveis pela aplicação da lei.

As consequências da ação policial violenta, de maneira paradoxal, colocam o profissional da polícia em constante situação de risco e fragilidade. O policial torna-se alvo de certa permissividade violenta, sobretudo de justificativa revanchista, o que contribui para uma crescente espiral de crueldade. Os dados de policiais civis e militares mortos em 2013 foram de 90 pessoas e 91 pessoas no ano posterior, segundo o FBSP.

Dessa maneira, a letalidade policial contribui para um enquadre surge uma violência progressiva que se retroalimenta, criando uma necessidade de rever a atuação dos agentes policiais e da sociedade como um todo de se construir novas soluções – ou uma nova Polícia - para a diminuição de tais ocorrências já que a segurança pública é um assunto de grande relevância em nossa sociedade, não apenas para o combate da criminalidade ou garantia da ordem pública, mas também para preservar vidas humanas.


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